O rompimento dos ciclos de violência contra a mulher enfrenta importantes barreiras no Brasil, apesar dos avanços conquistados com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), em vigor desde 22 de setembro de 2006.
Em seu artigo 5°, a lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Esse foi um importante avanço, pois desde que a vítima seja uma mulher, de qualquer idade ou classe social, o agressor pode ser namorado, marido, companheiro, ex, padrasto ou madrasta, sogro ou sogra, cunhado ou cunhada ou mesmo agregados.
Mulheres trans
Além disso, desde 2022, uma decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha também deve ser aplicada aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transgênero. No entanto, ainda são muitos os desafios. É sobre eles que iremos falar agora.
Este conteúdo foi elaborado com base nas reflexões das advogadas e ativistas Nara Maubriagades e Mayla Bezerra, em entrevista à Postal Saúde. As duas profissionais integram a equipe de mulheres fundadoras do Instituto Retomar , dedicado ao atendimento de mulheres em situação de vulnerabilidade social e vítimas de violência doméstica no Distrito Federal.
Clique nos links para conferir a íntegra das entrevistas:
Nesse contexto, e para marcar o Dia Internacional da Mulher, a Postal Saúde elencou 6 desafios para interromper os ciclos de violência contra a mulher. Além dessa abordagem, a matéria destaca medidas importantes anunciadas pelo Ministerio das Mulheres para combater a violência doméstica e as desigualdades de gênero. (Ver Ministério das Mulheres: retorno das políticas públicas de valorização da mulher).
Confira os 6 desafios:
1. Naturalização dos discursos machistas e misóginos
As ideias e os discursos machistas estão presentes nas reuniões de família e dos amigos, no trabalho, nas redes sociais. E são, de certa forma, naturalizadas. Além de objetificarem a mulher, as mensagens as tratam com inferioridade, tomando como parâmetro o modelo patriarcal de nossa sociedade, que enaltece a superioridade masculina e, não raro, a misoginia (aversão às mulheres) Precisamos combater esses discursos, pois eles legitimam os agressores das mulheres.
2. Políticas públicas focadas apenas na punição dos agressores
Apesar dos avanços da Lei Maria da Penha, focar as ações de prevenção da violência apenas na punição dos agressores não interrompe, por si só, os ciclos de violência. É preciso falar sobre violência contra a mulher nas escolas, nas empresas, nos círculos sociais. E investir na educação de meninas e meninos conscientes, que defendam a igualdade de gênero, respeitem as diversidades e se posicionem contrários a qualquer tipo de violência.
3. Dependência econômica da mulher
Condições precárias de vida, baixos salários, dependência econômica do companheiro. Em uma sociedade marcada por fortes desigualdades sociais e de gênero, as condições de vida e o contexto no qual a mulher está inserida dificultam sua inserção no mercado de trabalho e contribuem para que ela dependa economicamente do marido, que muitas vezes a proíbe de trabalhar fora. Investir em políticas públicas e em ações afirmativas — como construção de creches públicas, ampliação de vagas de emprego e salários mais dignos — contribuiria para promover a independência econômica da mulher e oferecer condições mais favoráveis à interrupção dos ciclos de violência.
4. Dificuldade que a mulher tem de se perceber vítima de violência
Muitas vezes a agressão começa de forma sutil, com uma crítica, um julgamento, um xingamento e assim sucessivamente, até chegar à agressão física. É nessa fase que a mulher costuma pedir socorro, por não saber que a violência de gênero tem várias facetas. Segundo a Lei Maria da Penha ( Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V), existem cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. É preciso intensificar o debate e conscientizar as mulheres sobre os vários tipos de violência, para que elas consigam se libertar e preservar, acima de tudo, suas vidas. Somente no 1º semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil.
5. Medo do agressor
Muitas mulheres deixam de denunciar seu agressor porque são ameaçadas de morte por eles. Mas isso precisa acabar, pois violência de gênero é crime e precisa ser denunciado. Se você é vitima, busque os seus direitos e não hesite em denunciar! Existem vários serviços públicos à sua disposição para lhe dar o apoio e o acolhimento que você precisa. (ver Onde conseguir ajuda em situações de violência)
6. Silenciamento do Poder judiciário
As denúncias são uma etapa fundamental para levar o problema às autoridades competentes, mas precisam ser acompanhadas de medidas protetivas e de segurança. Ocorre que nem sempre essas medidas são satisfatórias ou supervisionadas pelas autoridades, deixando o caminho livre para o agressor, o que pode culminar no feminicídio. Precisamos repensar e propor medidas mais efetivas por parte do Poder Judiciário.
Agora confira as medidas anunciadas pelo Ministério das Mulheres:
Ministério das Mulheres: retorno das políticas públicas de valorização da mulher
No pronunciamneto em cadeia nacional de rádio e TV na terça-feira (7/3), a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, reiterou o compromisso do governo federal com as políticas públicas inclusivas e de valorização da mulher e anunciou algumas medidas importantes, entre elas:
- Reestruturação do serviço Ligue 180 para receber denúncias e prestar informações às mulheres vítimas de violência;
- Retomada do Programa Mulher Viver sem Violência, com implementação de 40 Casas da Mulher Brasileira, com serviços de atendimento em várias áreas de atuação: assitência pssicossocial, saúde, segurança pública e acesso à justiça;
- Distribuição de 270 viaturas para as patrulhas Maria da Pena e delegacias especializadas de todos os estados brasileiros;
- Apresentação ao Congresso Nacional de Projeto de Lei que proibe discriminação salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Isso porque os salários das mulheres costumam ser 30% mais baixos que os dos homens.
- Decreto assinado pelo presidente Lula estabelecendo que toda empresa contratada pela adminsitração pública federal deve reservar 8% de suas vagas a mulheres trabalhadoras vítimas de violência doméstica.
“Seguiremos atuando com mais um conjunto de pactos e medidas contra o assédio sexual e moral no mundo do trabalho. O Dia Internacional da Mulher simboliza toda nossa luta por respeito, contra a violência e contra as mais diferentes formas de preconceito. Tenho certeza de que juntas, e com apoio de um governo que respeita de verdade as mulheres, conseguiremos ter nossos direitos garantidos”, finalizou a ministra Cida Gonçalves.
Onde conseguir ajuda em situações de violência
- Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher
O serviço acolher mulheres em situação de violência. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, em todo o território nacional.
- Disque 100 (Disque Direitos Humanos)
É um serviço disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos. Funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.
- Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos
Dá para denunciar pelo site da Ouvidora Nacional dos Direitos Humanos, do Governo Federal, por meio do link: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh.
- Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs)
Procure a unidade mais próxima de sua residência.
- Além da denúncia, busque conhecer os equipamentos disponíveis para você recorrer:
unidades de saúde, serviços de assistência social, como Casa da Mulher Brasileira, casas de passagem, casas-abrigo, CRAS, CREAS, varas judiciais, promotorias, defensorias e delegacias especializadas.
Confira a cartilha: Rede de Apoio às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica
Reportagem: Arlinda Carvalho, da Postal Saúde
Arte: Cleiton Parente, da Postal Saúde