8 e março | “É necessário combater os discursos misóginos, pois eles legitimam os agressores”, alerta advogada e ativista social  

No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, a Postal Saúde entrevista a advogada Nara Maubriagades, cofundadora do Instituto Retomar — entidade que desde 2020 presta, no entorno do Distrito Federal, atendimento gratuito a mulheres vítimas de violência doméstica e de gênero, em situação de vulnerabilidade social.

Como ativista da causa,  ela propõe uma reflexão sobre as causas dos crimes cometidos contra as mulheres, em uma sociedade marcada pelo patriarcado; afirma que o fim da violência de gênero passa pela implementação de políticas públicas e ações afirmativas; critica a legitimação dos discursos misóginos, tão presentes nas redes sociais; e alerta que a punição aos agressores, isoladamente, não é suficiente para pôr fim à violência contra as mulheres. “Precisamos reconstruir a sociedade em outras bases”, defende. Acompanhe o bate-papo:

Postal Saúde (PS) – Pode-nos contar um pouco o que motivou sua atuação como cofundadora do Instituto Retomar?

Nara Maubiragades (NM) Como mulher crescida em uma sociedade machista, fui vítima de várias formas de violência de gênero. Desde aquelas chamadas simbólicas, até o que conhecemos hoje como violência institucional.

Estudar feminismo fez com que eu me enxergasse nessas situações, fortalecendo-me para romper meus ciclos de violência. A participação no Instituto Retomar e em outros projetos sociais foi a forma que eu encontrei para tentar oferecer a outras mulheres na mesma situação algum auxílio para rompimentos dos seus ciclos de violência.

PS –  A Lei Maria da Penha é considerada uma das mais avançadas do mundo. No entanto, no 1º semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil.  A legislação, por si, não tem sido suficiente para enfrentar as várias formas existentes de violência contra a mulher?

NM –  Não. Precisamos entender que prevenção de crime é feita com políticas públicas e ações afirmativas. O direito penal é para aplicação de punição ao crime já cometido. Costumo falar que enquanto a nossa maior preocupação for punir, teremos a quem punir.

E quando digo isso não estou me colocando contra a Lei Maria da Penha e a punição dada aos agressores. Mas elas são comprovadamente insuficientes. Precisamos reconstruir a sociedade em outras bases.

PS –  Como essa reconstrução pode ser feita? Que instrumentos podem ser eficazes para formar meninas, meninos e cidadãos mais conscientes sobre o machismo estrutural e as consequências nefastas de nossa cultura patriarcal?  

NM – Precisamos tratar sobre igualdade de gênero nas escolas, nas empresas. O atual governo caminha para isso, produzindo atos normativos internos e propostas de Lei ao Legislativo que torne obrigatória a paridade de gênero e raça nas composições dos colegiados, conselhos etc., leis que garantam a igualdade salarial.

Esse tipo de política, além de buscar igualdade de gênero, é incentivo para que outros poderes passem a atuar dessa maneira. As escolas precisam educar as crianças sobre igualdade e respeito, rompendo esses estereótipos de gênero e tratando meninas e meninos de forma igual.

A escola precisa ser um espaço que a criança confie, sinta acolhimento e aprenda. Além disso, precisamos educar os adultos para acabar com essa naturalização das violências. A escola também pode desenvolver atividades com os pais e mães que abordem o tema.

PS –  É preciso falar sobre machismo e sistema patriarcal para entender a origem da violência contra a mulher e de tantos feminicídios …    

NM – Claro. Nossa sociedade está fundada no patriarcado e no machismo. Precisamos falar repetidamente sobre as causas, a origem e as consequências dessas violências, para que possamos reconstruir nossos valores em bases mais igualitárias e menos violentas.

Além disso, precisamos oferecer as mesmas oportunidades e condições a todos os gêneros, salários igualitários, divisão justa de afazeres domésticos e cuidados com filhos etc. Precisamos garantir que leis sobre mulheres sejam feitas por mulheres e capacitar o judiciário para lidar com crimes e demandas de gênero.

Ou seja, a base dessa transformação cultural passa pela educação e por medidas efetivas voltadas à promoção da igualdade de gênero …     

NM – Exatamente. Só teremos redução desses números [da violência contra a mulher] se houver igualdade material de direito entre homens e mulheres.

E isso se faz com políticas públicas, educação e oportunidade, com ações afirmativas que realmente incluam mulheres na sociedade, oportunizando educação e inserção no mercado de trabalho, garantia de salários justos, auxílios (como creches) para que essas mulheres possam trabalhar, e educação combativa à desigualdade de gênero nas escolas, nas empresas e nos órgãos públicos.

Além disso, é extremamente necessário combater os discursos misóginos, como é o caso de vários “cursos” de coach oferecidos na internet sobre supremacia masculina e movimentos masculinistas. Precisamos parar de naturalizar esses discursos, pois eles legitimam os agressores.

PS –  Quais os primeiros sinais de que a mulher está sendo vítima de violência no lar?

NM – Um sinal claro do início de uma relação abusiva é quando o agressor afasta a vítima de seu ciclo social para controlá-la. Dominação é sempre um sinal de problema e desequilíbrio e deve ser sempre um ponto de alerta.Muitas mulheres não se percebem em situações de violência porque nossa sociedade naturaliza violências de gênero.  Quem nunca ouviu ou disse a frase “mas ele nunca me bateu”?

Isso acontece porque naturalizamos condutas inaceitáveis, como violência moral, xingamentos, violência psicológicas, humilhações, perseguições, ameaças de suicídio etc. tendemos a “passar o pano” e achar que é essa atitude é apenas “o jeito dele”, que ele só falou na hora da raiva ou porque estava bêbado, que te controla e tem ciúmes porque ama demais etc.

PS –  Qual a mensagem que você deixa para as mulheres vítimas de violência doméstica e que não têm coragem de denunciar o agressor?

NM – Saiba, primeiramente, que você não é culpada pela agressão sofrida. Vão tentar convencê-la que sim, mas não é. Pesquise sobre equipamentos e instituições que prestam auxílio e suporte às mulheres vítimas de violência.

Atualmente, existem profissionais exemplares militando na defesa dos direitos das mulheres que podem ajudar de forma gratuita ou cobrando apenas valor social. O Instituto Retomar, por exemplo, possui equipe de advogados, psicólogas e assistentes sociais que podem te orientar e acolher. Bata o pé por seus direitos e os enfrente! Não vai ser fácil, mas é preciso!

Acredite em você quando sentir que algo na relação está errado.

Acredite em você quando questionar se aquele comportamento é violento ou tóxico; na maioria das vezes é e você percebeu, mas foi ensinada a não acreditar que está certa.

Acredite em você sempre e cerque-se de mulheres, pois elas serão grande parte da força que você irá precisar quando buscar uma delegacia de polícia e enfrentar todo o processo judicial.

E lembre-se: você não está só!

 

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Reportagem: Arlinda Carvalho/Postal Saúde
Foto: Arquivo pessoal

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